domingo, abril 12, 2009

When the desert is our homeland.- Xavier Frias Conde

In 2002 I published a booklet intitled Axarquia in Portuguese, but with a lot of Galician words an expressions. Here I reproduce some of the poems of that booklet.
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1
Pelo meu sangue correm todos os almuadens
e todos os dateis que foram outrora
carícia torpe de silêncio.
O nome de Deus veste as minhas pálpebras
sem apagar o teu nome,
porfias em ser deusa de papel.
Hoje tenho dunas mornas na pele
e confidências,
alguém me liga para o telemóvel,
mas não é a tua voz em espiral.
Areia
como sempre
fluindo nos meus lábios.





6
O Nilo
entre as minhas mãos
sussurra sílabas incoerentes.
Alexandria.
Uma ruela vazia esconde
teias em que ainda se marca
a tua silueta. O teu perfume
inunda o mercado. Danças
no ar da melancolia
a voar por cima da mesquita.
Outra vez
és aquele dia
de fugida entre as junqueiras,
a sombra de todas as ruas
sob o silêncios dos veus
de todas as mulheres de Alexandria.
Só Alá sabe.


7
À alva partiu
o caravançarai. Era tudo de imagens,
sombras e recordos de roupagens mouras.
Tu ias na cabeça
e sobre todas e cada uma das bestas
daquela caravana.
Tu e as tuas imagens silentes
espalhando ainda mais
a raiva do sol, caminho do
suleste, face ao mais
fugaz do deserto.
Vi-te partir. As sedas
da minha tenda vibravam com os passos
daqueles camelos tristes, resignados. Fumei
o derradeiro cigarro que me ligava a ti
e vi o fumo seguir-te.
Carne imaginada.



9
Todas as mulheres que amei
foram princesas egípcias,
todas coroadas com loureiros
de prata agarimosa só para deusas,
todas apresentadas ao Nilo em rituais
de manancial entre as coxas,
todas percorridas pela pelve
com ondas de areia doce,
todas, em algum momento, férteis a mim.
Todas as mulheres que amei
foram princesas egípcias.
As mulheres que amei
nem souberam que eram princesas. E já
não tinjo os meus tactos em alfena
nem ponho a lua de anel.
Todas as mulheres que amei
deixaram-me deserto do deserto
com a dor de Íssis
nos muros de Béni-Hássan.



11
Desde a primeira alva
até o murmúrio laranja
do Cairo na fim do dia,
o vendedor serpenteia todo
o grande Bazar de el-Khan el-Khalili.
– Bardiyaat, babii3 bardiyaat
(“Papiros, vendo papiros”).
Percorre todos os olhos
de todas as mulheres. Mulheres
de areia, de noite, descendentes
da Atlântida,
mulheres de seda e pergaminho,
de dateis e de mel proibido,
mulheres condenadas a sempre dançarem.
Mas as mulheres todas
nele só vêm
um vendedor de papiros sem sentido,
papiros tristes.
Ele percorre el-Khan el-Khalili
todos os dias pelos olhos de todas mulheres,
da alva ao sono.
Ele,
noutro tempo amante de deusas
e de princesas, até ser descoberto por Rá,
é a sombra do bazar.
– Bardiyaat, babii3 bardiyaat.
Elas
nunca percebem
que as ama uma sombra.



18
És a puta das putas de Paris.
És o anceio secreto dos homens todos
que te procuram no Quartier Latin
deitada num divão de seda, sem ninguém
te ter escutado nunca a voz,
vendo mas não compreendendo
que os teus olhos correm ao Mediterráneo,
que na tua pele bate o siroco
e suspiras em árabe cando eles alcançam a glória,
varrendo as nostalgias que flotam no Sena.
És a puta que me levou ao deserto
recitando Mahmud Darwish e os poetas
do exílio com uvas na língua. Lembro
ainda quando te conheci em caravana
pelo teu ventre até acampar no teu peito,
uma noite de primavera, caminho da tua barbadela
capital de Alândalus. Chamei-te mulher
mas quiseste ser puta, puta do deserto
em Paris.
És a puta que descobri
antes de seres descoberta, sempre
com juncos entre a pele,
sol-pôr a sol-pôr,
sei que sempre muito atenta.

(c) Xafrico, 2002. All rights reserved worldwide

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