segunda-feira, julho 31, 2023

A CAMINHO DOS INFERNOS | DE CAMINO A LOS INFIERNOS

 

Chamam-lhe de rota
de descenso aos infernos.
Todos alguma vez visitámos os infernos.
São múltiplos, alguns cheiram a mulher,
alguns têm sabor a creme,
alguns são invisíveis,
alguns não é preciso visitá-los, visitam-nos.

Há rotas de ascenso aos infernos,
algumas começam à alva,
algumas sussurram como as sereias de Ulisses,
algumas nem são rotas, mas vazios.

Há infernos que nem ficam
acima ou abaixo
e nem possuem rotas,
são infernos pequenos
onde não moram diabos
mas apenas cães da memória. Esses
são os meus infernos preferidos. Tomemos
um café para eu te contar.


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Le dicen ruta
de descenso a los infiernos.
Todos de vez en cuando visitamos infiernos.
Son diversos, algunos huelen a mujer,
algunos saben a nata,
algunos son invisibles,
algunos no hace falta visitarlos, nos visitan.

Hay rutas de ascenso a los infiernos,
algunas empiezan al alba,
algunas susurran como las sirenas de Ulises,
algunas ni son rutas, sino vacíos.

Hay infiernos que no están
ni arriba ni abajo
y ni tienen rutas,
son pequeños infiernos
no habitan demonios
sino solo perros de la memoria. Esos
son mis infiernos preferidos. Tomemos
un café y te lo cuento.

© Frantz Ferentz, 2023

sábado, julho 29, 2023

DEUS MENOR | DIOS MENOR







Era um deus menor
mas não frequentava os mercados dos deuses,
mercados de venda de criações,
algumas tão falsas
como o suspiro de um poeta.

Criava, como criam todos os deuses
deitado na areia
ao pé das ondas invisíveis
quando ninguém olhava para ele,
era um deus insociável, alguém silente,
até diria que era um sociopata.

Criava, sim, porque não savia
fazer nenhuma outra coisa, criava
palavras e cores de brisa, criava
murmúrios que mudavam de cor
de boca em boca, criava
futuros sem roteiro, criava,
cheio de tristeza, tristezas de deus menor,
mas sabia que nunca tu serias
a sua criação mais desejada.


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Era un dios menor,
mas no frecuentaba los mercados de dioses,
mercados de venta de creaciones,
algunos tan falsos
como el suspiro de un poeta.

Creaba, como todos los dioses crean,
acostado en la arena
al borde de olas invisibles
cuando nadie lo miraba,
era un dios insociable, alguien silente,
hasta diría que era un sociópata.

Creaba, sí, porque no sabía
hacer otra cosa, creaba
palabras y colores de brisa, creaba
susurros que cambiaban de color
de boca en boca, creaba
futuros sin guión, creaba,
lleno de tristeza, tristezas de un dios menor,
mas sabía que nunca vos 
serías
su creación más deseada.


© Frantz Ferentz, 2023

sexta-feira, julho 28, 2023

A TUA TRISTEZA | TU TRISTEZA



A tua tristeza ergue-se em silêncio
a meio da noite que apagou o calendário,
caminha na ponta dos pés para fora do quarto.
Precisa da sua dose de estrelas por ti sonhadas,
má sorte, esgotaram,
como uma torta de ingredientes mutilados.
Ao menos toma um copo com água chorada.
A seguir, regressa à tua alcova.
Fica um bocado no limiar
a contar os teus alentos. Sorri,
mas tu não a vês.
Agacha-se ao teu lado.
A tua tristeza sente-se mais tristeza do que nunca.
Olha outra vez para ti, beija a tua testa,
sussurra-te "gosto de ti" e vira-se.
A tua tristeza não sabe que não dormias
e também não vê a tua bágoa ilegal
molhar o recanto da tua alma,
enquanto fazes esforços,
para não alarmares a tua tristeza,
a tua mais fiel companheira.

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Tu tristeza se levanta en silencio
en medio de la noche que borró el calendario,
camina de puntillas fuera de la habitación.
Necesita su dosis de estrellas por ti soñadas,
mala suerte, se han agotado,
como una tarta de ingredientes mutilados.
Al menos toma un vaso de agua llorada.
Luego, regresa a tu alcoba.
Se queda un instante en el umbral
contando tus alientos. Sonríe,
mas tú no la ves.
Se acurruca a tu lado.
Tu tristeza se siente más tristeza que nunca.
Te mira otra vez, te besa la frente,
te susurra "te quiero" y se da la vuelta.
Tu tristeza no sabe que no dormías
y tampoco ve tu lágrima ilegal
mojar la comisura de tu alma,
mientras haces esfuerzos
para no alarmar a tu tristeza,
tu más fiel compañera



© Frantz Ferentz, 2023