hoje, com a chuva, amanheceram muitos veleiros pela minha rua. antigos nomes de mulher e histórias inconfessáveis. tu e a tua vela entre eles. o outono vestiu-se de preto, como uma fadista, e fingiu-se mulher, como uma fadista, com voz de Lisboa, como uma fadista. todas as encruzilhadas surgiram debaixo da minha cama. fora continuava a chover. tu também. e não estavas. o café hoje foi com enxaqueca. e nódoas, nódoas, muitas nódoas nesta terra que me esconde, me embala e me tinge a pele de azul. há séculos que não me beija a língua atlântica das sílabas imprevisíveis. Olho pela janela, ainda mais chuva. gosto do cheiro da chuva entre as tuas pernas, gosto de ti molhada na rua, gosto dos farois da rua a tentarem apanhar lampejos de chuva, gosto que a chuva se dilua e se reinvente. gosto de ti e de todas as mulheres que foram e foram embora. escorrega-me a solidão pelo buraco do bolso. um continente no teu cabelo, isso procuraria agora, também sob a chuva. uma chuva, apenas uma chuva, mais nada, o Tejo sigiloso, face a Lisboa, arredor do teu umbigo. Apenas isso, se não tu, ao menos a tua chuva pela minha rua.
(áudio em português)
Frantz Ferentz, 2014
Sem comentários:
Enviar um comentário